No dia 8 de agosto, por volta das 16h, a cena do skate brasileiro ficou estarrecida com a prisão injusta de dois skatistas em Porto Alegre (RS).
Tudo começou quando um grupo de amigos, incluindo Kalani Haselein Simon (23) e Marcos Samuel Bueno (22), estavam andando de skate e filmando as manobras, para uma vídeo parte, no Trecho 1 da Usina do Gasômetro, na Orla do Guaíba.
Para poder dar as manobras em um determinado trecho, os skatistas optaram por retirar mais de uma dezena de pinos amarelos que compõem o piso podotátil para pessoas com deficiência visual.
Depois disso eles continuaram andando de skate e filmando. Porém, cerca de 40 minutos depois, a Guarda Municipal de Porto Alegre chegou e abordou os rapazes. Ao verem o piso tátil arrancado, os guardas perguntaram quem estava andando de skate.
Samuel respondeu que ambos (ele e Kalani). Foi neste mesmo momento que, segundo Marcos, ele recebeu voz de prisão e foi algemado.
Pinos do piso tátil que foram arrancados
No caminho até a viatura, Marcos, que é um rapaz de pele preta e cabelo black, notou que algo estava errado e perguntou o motivo de apenas ele estar sendo preso. Neste momento um dos guardas retrocedeu e perguntou a Kalani se ele estava com Marcos.
Kalani respondeu que sim, estavam junto de Marcos e diante da afirmativa, também foi algemado. Ambos argumentaram que estavam errados, pediram desculpas e se comprometeram a encaixar as peças de volta (o que era totalmente possível) ou mesmo se comprometer em contratar alguém para efetuar o conserto.
Não houve conversa e ambos foram colocados na viatura e levados ao Palácio da Polícia.
Lá, segundo os jovens, uma mulher que aparentava ser um delegada de plantão os comunicou que estavam presos por dano ao patrimônio (artigo 163 do Código Penal Brasileiro), com a fiança fixada em 800 reais para cada um e o pagamento deveria ser em espécie, em um prazo de uma hora.
Marcos logo respondeu que não tinha o dinheiro e Kalani não estava assimilando bem a situação. Foram pedidos números de contatos ao dois. Marcos passou o de sua namorada, que foi chamada nas não atendeu, pois estava trabalhando. Kalani também passou o telefone de sua namorada, pois estava sem saber como contar para a mãe, que é advogada. Segundo a namorada de Kalani, seu telefone não tocou, apesar de ela estar no trabalho, e mesmo assim não há registro da ligação em seu aparelho, segundo a mesma.
Ainda de acordo com Kalani e Marcos, eles passaram cerca de cinco horas em uma cela provisória, sem condições de higiene e com marcas de fezes espalhadas por todas as paredes. Após esse período lhes foi informado que eles seriam levados para a penitenciária.
Um amigo dos jovens que estava do lado de fora do palácio os aguardando, viu que eles estavam sendo transportados para a viatura e seriam transferidos para penitenciária e se dispôs a pagar a fiança, no entanto foi argumentado que o prazo de uma hora para o pagamento havia se esgotado.
Marcos e Kalani foram transportados então para o Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional – NUGESP.
Ao chegarem lá foram questionados se faziam parte de alguma facção. Obviamente, eles responderam que não, que só eram skatistas.
E assim foram encaminhados para um cela onde passaram o dia todo. Ainda segundo relataram, apenas saíram da cela por 15 segundos para a contagem. Eles ainda passariam o dia seguinte presídio.
A questão é: obviamente os garotos erraram (assumiram o erro) e deveriam arcar com seus atos. Mas chegar ao ponto de prendê-los é muita falta de bom senso.
Obviamente tudo isso é reflexo da popularização do Skate, com a presença nas Olimpíadas, na TV aberta, nos outdoors e anúncios comerciais. Esse boom do skate foi o responsável por trazer à Porto Alegre a Pista da Orla, um dos maiores skate parks da América Latina.
Depois da inauguração da pista da Orla, em outubro de 2021, diversos skatistas de Porto Alegre relataram que foram abordados pela guarda andando de skate pelas ruas da cidade e foram repreendidos, sempre com o famigerado argumento de que “agora vocês tem a Pista da Orla”.
O universo do skate tem várias vertentes e modalidades. Muita gente anda de skate nas ruas, praticando o verdadeiro street skate, ou mesmo rasgando as ladeira no Downhill Slide. Tem gente que anda na pista e também na rua. Não há regra. O skatista é também um cidadão pagador de impostos e que merece respeito.
O skate de rua na capital gaúcha tem tradição com picos clássicos que fazem parte da história do skate brasileiro, como as famosas Praça da Matriz e do Benjamin. De lá, muitos skatistas surgiram para o mundo, mostrando a potência que o Brasil sempre foi no skate de rua. Luan, Gordo, Gerdal e tantos outros marcaram a capital gaúcha como uma das mecas do skate nacional.
A partir da esquerda: Marcos Samuel e Kalani
Se os jovens praticaram dano ao patrimônio público, como causaram, cabia muito bem uma multa ou alguma sanção, com bom senso, e não serem algemados, tratados como bandidos e levados a um presídio cheio de criminosos.
Não é dessa maneira que se educa a população, agindo com tamanha repressão para um ato de pequeno potencial ofensivo.
Além do trauma da repressão, os jovens ainda tem que lidar com várias matérias tendenciosas e no mínimo mentirosas, que brotam nos telejornais das emissoras locais e em sites de notícias. É o caso da matéria do já conhecido programa policial Balanço Geral, da TV Record, mas que é produzido por sua afiliada local. Na edição de quarta-feira, 09 de agosto, eles exibiram reportagem com o fato.
No GC (gerador de caracteres) e no conteúdo da reportagem, estava a informação de que “homens haviam sido presos roubando piso tátil”, quando na verdade já sabemos os motivos da retirada dos pinos.
Outra matéria, desta vez no portal Terra (clique aqui), traz a informação quase correta, mas se equivoca ao dizer que queriam arrancaram “todos os pinos do piso”, quando na verdade eles queria tirar um pequeno pedaço para poder passar para o outro lado do piso podotátil.
Enfim, fica aqui o descontentamento com a prisão dos jovens e também com o viés em que alguns canais de mídia abordaram o ocorrido.
Todos nós sabemos que existem crimes muito sérios acontecendo diuturnamente na capital gaúcha e as autoridades deveriam se preocupar em colocar atrás das grades os verdadeiros criminosos e não skatistas que causaram pequenos danos, assumiram o erro e queriam consertá-lo, mas acabaram na penitenciária.
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